Como controlar pragas e doenças no cultivo orgânico?

Como engenheiro agrônomo, sou questionado sobre o que “aplicar” naquele vaso de apartamento ou pé de fruteira de fundo de quintal para controlar uma suposta praga ou doença. Isso ocorre com frequência, não respeitando dia, horário ou local.

Mal havíamos entrado na faculdade, quando, em uma festinha de aniversário de minha saudosa avó materna, fomos questionados pela primeira vez por um tio paulistano sobre o que “aplicar” num vaso de samambaia de metro para controlar umas pintas escuras que estava aparecendo na parte de baixo das folhas.

Até mesmo agricultores experientes procuram os engenheiros agrônomos para saber o que é melhor “aplicar” contra determinada praga ou doença em suas culturas. E “ai” do profissional que não tiver na ponta da língua o nome de um agrotóxico para recomendar.

Infelizmente, esse cenário não é exclusivo da profissão dos engenheiros agrônomos. Isso também ocorre com médicos veterinários, zootecnistas e outros profissionais da área das ciências agrárias. Se já não fosse isso o bastante, a maioria das pessoas, ao ir até o consultório de um médico, quer sair com uma receita. Que em muitos casos nada mais é do que a recomendação de um remédio para “tomar” e controlar aquela dorzinha ou aquele mal que os aflige no cotidiano.

E o que tem isso a ver com o controle de pragas e doenças no cultivo orgânico? Qual é a moral dessa história? Nesse caso, é que há décadas fomos condicionados a “aplicar” algum agrotóxico ou “tomar” algum remédio para curar os males que nos aflige, estejam esses males nas plantas, nos animais ou em nós mesmos.

Com o passar do tempo, desaprendemos a buscar a causa dos problemas, trocando essa procura por uma solução rápida, que visa a controlar o efeito e nem sempre a causa.

Na agricultura convencional, o pacote tecnológico desenvolvido com a revolução verde, ocorrida nas décadas de 1960 e 1970, preconiza uma receita de cultivo, no qual para cada desequilíbrio que provocamos ao cultivar espécies de interesse econômico há um agrotóxico que pode ser aplicado para mitigar o problema.

Na agricultura orgânica, que aliás se fortaleceu no Brasil, em contraposição à revolução verde, a ideia não é a de “aplicar” algo para corrigir o desequilíbrio. Esse processo produtivo busca a manutenção do equilíbrio. Talvez por isso a curiosidade de técnicos e agricultores para saber como é feito o controle de pragas e doenças na agricultura orgânica sem “aplicar” nada.

O controle de pragas e doenças na agricultura orgânica começa com o planejamento holístico da propriedade, onde se deve “aplicar” os conhecimentos de agroecologia.

Sob esse aspecto, esse controle inicia-se pela escolha da época correta de plantio de cada cultura, respeitando-se as exigências climáticas da espécie a ser cultivada; passa-se pela análise de solo das glebas de cultivo, fazendo-se a calagem e a fosfatagem onde e quando necessário.

O conhecimento das plantas espontâneas pode e deve ser utilizado, pois existem algumas indicadoras de alumínio no solo como as samambaias (Pteridium aquilinium), de solos compactados, como a grama seda (Cynodon dactylon), e a guanxuma (Sida sp.), e as de solo rico em matéria orgânica, como os carurus (Amaranthus sp.) e a beldroega (Portulaca oleracea).

A conservação do solo no manejo de pragas e doenças também é importante. O controle da erosão reduz a perda da camada fértil de solo, tanto do ponto de vista químico quanto biológico.

Não haverá sucesso no manejo de pragas e doenças se as práticas que aumentam a proporção de matéria orgânica no solo e a biodiversidade da área não estiverem presentes.

Muitas das práticas agroecológicas são utilizadas há gerações por agricultores, como os cultivos consorciados, a adubação orgânica e a cobertura do solo com resíduos vegetais.

Outras aplicações desse tipo de manejo precisam ser relembradas pelos técnicos da assistência técnica e extensão rural, uma vez que ainda não foram apropriadas pelos agricultores, como a rotação de culturas com diversificação da produção, a recuperação e o enriquecimento das áreas de preservação permanente, a alternância na capina das plantas espontâneas e o cultivo de adubos verdes (Figura 1).

A biodiversidade nas áreas de cultivo orgânico pode ser buscada com a instalação de quebra-vento (Figura 2). Além de amenizar o impacto das correntes de ar, como o próprio nome indica, também reduz a perda de água pelas plantas de interesse econômico.

O quebra-vento auxilia no manejo das pragas e doenças. No caso das doenças bacterianas, quando as folhas das culturas não são danificadas pelos ventos, temos uma incidência menor de doenças simplesmente por haver um número menor de “portas” para a entrada das bactérias.

Já no caso dos insetos pragas, o quebra-vento funciona como uma barreira para o seu deslocamento entre as glebas de uma mesma propriedade e mesmo entre elas. A escolha da espécie adequada para a construção deste tipo de obstáculo pode aumentar exponencialmente a eficiência no manejo de pragas.

Espécies que produzem flores servem de alimento e abrigo para os inimigos naturais das pragas. A cobertura do solo com resíduos vegetais ou com adubos verdes evita a erosão e auxilia na manutenção da vida macro e microbiana do solo. A cobertura viva do solo pode ser obtida também com o manejo seletivo das plantas espontâneas, que servirão de abrigo e fonte de alimento na fase jovem dos inimigos naturais das pragas.

Manejados corretamente, o caruru e a beldroega servirão de alimento para a vaquinha (Diabrotica speciosa). Os métodos culturais na agricultura orgânica incluem o cultivo de determinadas plantas para servir de alimento para os insetos-praga ou como repelente destes. Um exemplo desse manejo é o cultivo em hortas da couve chinesa para servir aos insetos mastigadores (Figura 3) ou o consórcio do tomateiro com coentro, já que esse condimento funciona como repelente à mosca branca (Bemisia sp.). Para o controle de nematoides, a rotação de cultura com crotalárias ou mesmo o cultivo consorciado com esse adubo verde pode ser recomendado.

A disponibilidade de agentes de controle biológico (Metarhizium anisophiae, Beauveria bassiana, Trichoderma sp., Verticillium lecanii, entre outros), de feromônio e de inimigos naturais (ácaros, nematóides e parasitóides de cochonilhas, percevejos e pulgões) para liberação massal no campo para o manejo de pragas e doenças crescerá exponencialmente no Brasil nos próximos anos.

Assim, na agricultura orgânica, a aplicação de algum produto no manejo de pragas e doenças é a última ferramenta a ser utilizada. Neste caso, os produtos utilizados precisam estar na lista positiva do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e damos preferência àqueles que o agricultor possa produzir na própria área de cultivo.

A lista desses itens, em vigor em maio de 2013, está publicada na Instrução Normativa do Mapa de número 46 de 2011 (IN 46/2011).

Em tempo: aquela primeira consulta que recebemos do tio paulistano na samambaia de metro, que apresentava pintas escuras nas folhas, nem praga ou doença era. As pintas são as “sementes” da samambaia e, portanto, nada havia a ser aplicado.

Sebastião Wilson Tivelli* (Texto e fotos)

*Engenheiro agrônomo, doutor e pesquisador científico da Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de São Roque (SP), do Centro de Insumos Estratégicos e Serviços Especializados (Apta). E-mail tivelli@apta.gov.br

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